Uma mulher que me pareceu ter pouco mais de 40 anos sentou-se do jeito que pode numa das cadeiras dispostas no corredor do pronto socorro, em Pindamonhangaba. Ela buscava uma posição que não favorecesse a dor que sentia num ponto da coluna. 


Da outra vez que a vi, lá estava ela, 

para escândalo de todo mundo, 

seus gemidos e ais num crescente, 

sentada  no piso do corredor.

  

A mulher já tinha sido medicada 

e esperava retornar ao médico que a atendera e encaminhara a medicação. 

O medicamento não resolveu o problema. 


Não muito longe dessa mulher, 

estava uma outra, extremamente magra e sozinha. Esta já  não gemia, 

mas chorava  seu choro desesperado 

chamava a atenção de todo mundo 

num local em que costumeiramente 

passam 200 pessoas mas, 

segundo me disse um funcionário, 

nesse dia 29 de Novembro, terça-feira, 

passaram mais de 500." 


Está mulher, com um pequeno saco de lixo 

que ganhou de uma funcionária da limpeza

cuspia ou vomitava dentro dele

o que ainda havia em seu estômago.

 

Depois, levada pela dor,

voltava ao choro desesperado.

"Isso tá parecendo um inferno" , 

falou o funcionário que me dissera antes

sobre ter passado mais de 500 pessoas 

já de manhã pelo pronto-socorro.


Nunca fui aí inferno para conferir, 

mas entendo que muitas daquelas cenas nem precisavam existir se a estrutura do local fosse outra e a saúde pública não fosse 

um projeto de fachada e vítima, 

por exemplo, do teto de gastos

No inferno deveria tambem estar se sentindo

um jovem negro de camisa branca,

boné vermelho enfiado na cabeca,

cabeça o tempo todo

enfiada entre as pernas

entregue à dor que certamente sentia.


Ao meu lado, um idoso com aspecto

de morador de rua, bermuda

e uma rota camisa 10 da seleção

que não lembrava nem de longe

o impecável é exibicionista Neymar,

pés calçando chinelos velhos e sujos,

mãos se esfregando volta e meia pelo peito,

respiração funda e a voz repetindo

a toda hora "aí meus Deus".


Boa parte dos presentes

no inferno do pronto-socorro de Pinda

estavam por lá para serem diagnosticados ou não 

com COVID 19 em sua nova onda avassaladora.


Tudo junto e misturado!

Um punhado de fisionomias tristes,

abatidas pelos primeiros sintomas

da doença e, com certeza,

rememorando muitos dos dramas e tragédias 

que marcaram os dois primeiros anos 

do mal que um genocida chamou

de GRIPEZINHA. E, pior ainda, temendo

engrossar a lista de um genocidio

que já bate os 700 mil mortos.


Por lá fiquei umas três horas

esperando por exames,

medicação e resultados

de tudo que me foi precariamente oferecido.


Quando podia

e nenhum "ai desesperado", nem gemidos

ou choro não me tiravam a atenção, 

eu tentava ler o noticiário 

que falava sobre a transição em Brasília,

palco central onde hoje se disputa

se haverá investimentos reais

que virem as costas para ricos e canalhas

que lucram com a doença e morte

de milhões de brasileiros,

ou se os investimentos vão chegar

para gerar saúde 

e não maiores lucros para a doença!


E por falar em morte,

de uma senhora que aguarda por seis meses

por tratamento médico que dela possa arrancar 

uma dor insuportável na altura do ombro direito, ouvi que "é preferível que Deus

me faça morrer porque não tem sentido viver mais desse jeito."


Acredito que é fruto desse tempo de crimes de Bolsonaro 

e quadrilha

ficar ouvindo aqui e ali

desejos de morte saindo de palavras desesperadas de muita gente digna.


É que a vida sob Bolsonaro ganhou peso insuportável demais

e muita gente, infelizmente,

ganhou coragem para dizer

que a morte, apesar de ser trágica,

é mais leve!


Silvio Prado