Flordelis não nasceu pronta.
Foi produzida pela miséria que atordoa
e pelas porradas que ensinam caminhos amargos.
Deve ter estudado pouco,
mas fez pós graduação e mestrado
no evangelismo fundamentalista
dos canalhas.
Assimilou direitinho
a arte de botar medo
em gente "que não tem com quem contar".
Virou a voz de um Deus
que promete mais o inferno
do que o paraiso.
A "palavra de Deus"
é uma roupa que muita gente veste
para esconder os gritos do corpo
e os desejos que a vida louca
e incerta
que a alma contém.
Flordelis vestiu essa roupa
que apenas parece ser justa,
mas é larga e espaçosa
como uma toga do STF.
Flordelis,
hoje chamada de assassina,
vagabunda,
puta,
quadrilheira
e toda palavra que diminui e produz asco,
é um produto que rende milhões
para uma indústria
que, quase sempre aos berros,
anuncia que Jesus está voltando,
abençoa genocidas,
trata a África como pátria do demônio
e a ciência como inimiga do que chamam
salvação.
Flordelis é uma mulher negra,
inteligente,
desses talentos que a miséria brasileira
geralmente esmaga
mas não consegue destruir.
Tem poder de comunicação impactante.
Tem presença de palco.
Carisma.
Articula frases agudas.
Desperta expectativas nos angustiados
e tesão em muitos e muitas
que se arrepiam diante de desejos
que toda pessoa que mistura arte,
religião
e mentiras
se mostra capaz de despertar
em vidas esvaziadas de significados.
É uma pena
que essa mulher negra tão forte
tenha cruzado com o que há de pior no fundamentalismo evangélico brasileiro.
Talvez não fosse diferente
se Flordelis tivesse brotado
no fundamentalismo da Canção Nova
e outros "pentecostais católicos".
A pastora deputada
poderá até se acabar na solidão
destrutiva de um cárcere,
mas a indústria que a gerou
deve logo logo encontrar uma outra
ou um outro
para ocupar seu lugar.
Perde-se um "louco",
mas o hospício segue a todo vapor.
Silvio Prado
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